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Blended Finance e Equidade de Gênero




Artigo: Blended Finance como Estratégia para Reduzir as Disparidades de Gênero no Acesso a Capital


Liane Freire e Sergio Marcondes


Introdução


As disparidades financeiras de gênero – conhecidas como Gender Financing Gap – são um dos principais entraves à autonomia econômica das mulheres e à construção de uma economia mais inclusiva. No Brasil e no mundo, mulheres enfrentam barreiras estruturais que limitam seu acesso a crédito, investimento e outros instrumentos financeiros, o que, por sua vez, restringe sua capacidade de empreender, estudar, acumular patrimônio e participar plenamente da economia formal. Diante desse cenário, o Blended Finance surge como uma estratégia inovadora para contribuir para a mitigação essa desigualdade, combinando diferentes fontes de capital – comercial, concessional e filantrópico – para viabilizar crédito para mulheres e investimentos em negócios liderados por mulheres e reduzir o risco percebido pelos investidores. Mas de que formas essa abordagem pode efetivamente contribuir para a equidade de gênero?


O Gender Financing Gap e Suas Dimensões


A Gender Financing Gap pode ser entendido a partir de quatro dimensões interligadas: disparidade de renda, desigualdade na acumulação de patrimônio, sub-representação em posições de poder e acesso limitado ao capital.


Em termos de renda, as mulheres ainda ganham, em média, menos que os homens. Globalmente, essa diferença salarial gira em torno de 23%, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e no Brasil, homens recebem, em média, 27% a mais do que mulheres, com disparidades ainda maiores para mulheres negras . Essa desigualdade impacta diretamente a capacidade de poupança e investimento das mulheres, perpetuando um ciclo de exclusão financeira.


A lacuna patrimonial também é significativa: menos mulheres possuem ativos como imóveis, investimentos e contas bancárias em comparação aos homens. Em muitos países, menos de 20% das mulheres possuem terras, enquanto detêm, em média, 40% menos em economias e investimentos . A posse de bens é um fator essencial para a obtenção de crédito, já que muitas operações financeiras exigem garantias.


No que diz respeito à representatividade, as mulheres ocupam apenas 28,5% das posições de alta gestão globalmente e representam 24,9% dos parlamentares . Essa sub-representação significa que decisões econômicas e políticas fundamentais são tomadas majoritariamente sem a perspectiva feminina, reforçando desigualdades sistêmicas.


O Acesso ao Capital como Estratégia-Chave para a Redução das Disparidades


O acesso a capital é um eixo estruturante para enfrentar as disparidades econômicas de gênero. No Brasil, dados demonstram que mulheres empreendem mais por necessidade do que por oportunidade e enfrentam maiores dificuldades na obtenção de crédito. Em 2022, apenas 33% do crédito concedido a micro e pequenas empresas foi direcionado a negócios liderados por mulheres, e os juros médios para empreendedoras foram 3% superiores aos praticados para homens .


Essa limitação de acesso a crédito compromete a escalabilidade dos negócios femininos e reforça um ciclo de desigualdade. Como mulheres acumulam menos patrimônio, têm menor capacidade de oferecer garantias para empréstimos, o que as torna menos atrativas para instituições financeiras tradicionais. Esse efeito sistêmico perpetua uma exclusão econômica que limita a capacidade de mulheres exercerem plenamente seu potencial.


O Viés de Gênero no Crédito e o Ciclo Vicioso da Exclusão Financeira


As dificuldades enfrentadas por mulheres no acesso a capital decorrem tanto de fatores subjetivos – como viés inconsciente e estereótipos de gênero – quanto de barreiras estruturais.


Instituições financeiras e provedores de capital frequentemente percebem negócios liderados por mulheres como mais arriscados, ainda que as taxas de inadimplência feminina possam ser menores do que as masculinas em determinados contextos. Além disso, o fato de mulheres possuírem menor renda e patrimônio restringe sua capacidade de acessar capital, o que reforça um ciclo vicioso: menos patrimônio leva a menos acesso a crédito, o que reduz oportunidades de crescimento, perpetuando a desigualdade econômica.


Blended Finance como Solução Estruturante


As estruturas de provimento de capital – sejam de crédito ou investimento – são atravessadas por fatores que estabelecem um paradigma de risco percebido maior para mulheres enquanto receptoras de capital. Esse fenômeno se manifesta tanto na concessão de crédito para pessoas físicas e jurídicas quanto na captação de investimentos para empresas lideradas por mulheres.


Diante desse cenário, soluções de Blended Finance surgem como um instrumento essencial para suprir esse incremento de risco percebido, atraindo capital comercial para operações que, ao longo do tempo, possam confirmar suas premissas econômicas e desconstruir o paradigma de risco elevado para mulheres.


Entre as abordagens possíveis no contexto do Blended Finance, destacam-se:

Composição de investimentos em séries, onde diferentes classes de investidores assumem níveis distintos de expectativa de retorno e tolerância ao risco.

Soluções de garantia, que reduzem o risco financeiro associado a negócios liderados por mulheres, permitindo que o capital privado seja mobilizado de forma mais eficiente.

Assistência Técnica, com recursos para fomentar o ecossistema e criar condições estruturantes 


A adoção dessas estratégias pode permitir a ampliação do financiamento para mulheres, corrigindo falhas de mercado e garantindo maior inclusão financeira.


Aspectos Estratégicos para uma abordagem de Blended Finance Eficiente para Equidade de Gênero


A implementação eficaz do Blended Finance para promover a equidade de gênero deve considerar a natureza e o comportamento econômico dos ativos financiados.


No caso do crédito para mulheres no Brasil, por exemplo, o principal desafio não reside na obtenção de níveis de retorno compatíveis com o mercado, uma vez que as taxas de juros praticadas no país são elevadas e permitem a concessão de crédito com taxas de juros abaixo do mercado sem afetar significativamente a rentabilidade dos investidores. Embora haja espaço e relevância em estratégias orientadas para a redução das taxas de juros, destacamos aqui três aspectos estratégicos essenciais:


1. Ampliação do acesso ao crédito para tomadoras com garantias consideradas insuficientes, por meio de mecanismos de garantias colaterais e de cobertura de risco parcial.

2. Redução do risco percebido de inadimplência, com estratégias como coberturas temporárias para períodos críticos e assistência técnica para melhor gestão financeira dos negócios femininos.

3. Redução dos custos de captação de clientes, dado que o número de mulheres com perfil para crédito ainda é relativamente baixo, exigindo estratégias eficazes para formação de um pipeline robusto de tomadoras.


Dessa forma, as abordagens mais assertivas em Blended Finance incluem o desenvolvimento de instrumentos financeiros customizados que aumentem o efeito de de-risking com a menor participação possível de recursos concessionais. Isso garante que o capital privado seja alavancado de maneira eficiente, ampliando o impacto da estratégia sem comprometer sua sustentabilidade financeira.


Conclusão


A desigualdade de gênero no acesso a capital é uma questão de justiça social e um vetor de crescimento econômico sustentável. Modelos financeiros inovadores, como o Blended Finance, têm o potencial de transformar essa realidade, canalizando capital para mulheres e negócios liderados por mulheres e promovendo mudanças estruturais no setor financeiro.


O momento é crítico para ações efetivas de enfrentamento das desigualdades de gênero. É fundamental agir com velocidade e escala para garantir resultados concretos no curto prazo, viabilizando o acesso imediato ao capital para mulheres e criando as bases para uma transformação estrutural contínua. Isso exige a mobilização coordenada investidores, agentes do mercado financeiro e instituições financeiras para estruturar mecanismos inovadores e sustentáveis que eliminem barreiras históricas e consolidem um novo paradigma de equidade financeira.

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